quinta-feira, 15 de abril de 2010

Artigo de interesse: A nova chaga social*

“O jogo inutiliza gênios, emudece oradores, atira à concorrência do trabalho diurno os náufragos das noites de azar. Eis o jogo, o grande putrefator... é a lepra do vivo e o verme do cadáver.” (Rui Barbosa)

No dia 30 de março, a Câmara de Deputados reuniu em uma comissão geral representantes de todos os segmentos da sociedade para discutir o projeto que pretende legalizar os bingos, videobingos e videojogos, que em breve será votado pelo plenário daquela casa. Os defensores da proposta argumentam que a reabertura das casas de bingo iria incrementar a arrecadação de impostos e a geração de empregos, ao passo que os detratores do projeto sustentam que isto iria incentivar a corrupção, a lavagem de dinheiro e a sonegação de impostos. Uma questão, no entanto, tem passado quase ao largo das discussões, qual seja, a deterioração familiar e social causada pelo jogo, em especial pelas máquinas “caça-níqueis”. Tais equipamentos, por apresentarem resultado imediato, constituem um forte apelo à compulsão, pois incitam o jogador à repetição sucessiva de apostas em curto espaço de tempo.

Dentro de uma casa de jogos, inebriada por sons e luzes, a pessoa perde a noção do tempo e pode ficar horas apostando e dilapidando as suas economias. Segundo especialistas, já existem cerca de 4,5 milhões de jogadores patológicos no Brasil. Após desenvolverem o transtorno compulsivo, com o passar do tempo esses apostadores em geral perdem o emprego, passam a apresentar quadro depressivo e registram altas taxas de suicídio. Aliás, a Organização Mundial de Saúde, desde 1992, classifica o jogo patológico como doença, e o próprio projeto de lei admite sua potencial nocividade, já que prevê a criação de um inócuo cadastro de dependentes.

Recente matéria publicada em Zero Hora (edição de 27 de março) retratou o drama de duas crianças, em Canoas, que escreveram uma carta contando que eram forçadas a trabalhar de madrugada fritando pastéis para a mãe vender, mas que iam para a escola com fome, pois ela não permitia que se alimentassem, já que os pastéis eram destinados exclusivamente à venda, para obter dinheiro para gastar nos “caça-níqueis”. Além disso, relataram que a mãe as espancava sempre que perdia dinheiro nas máquinas, e que, inclusive, estava vendendo os utensílios domésticos para manter o vício. Esse pungente pedido de ajuda evidencia um problema social que assume proporções cada vez mais preocupantes. Diariamente, na Força-Tarefa de Combate aos Jogos Ilícitos, ouvimos histórias tristes, relacionadas a “caça-níqueis”, de pais de família que gastam em apostas o dinheiro para o leite dos filhos, de idosos que perdem os parcos proventos na ilusão de ganhar um prêmio, de pessoas que venderam tudo o que tinham e se envolveram com agiotas para seguir a ilusão luminosa das slot machines.

Os apelos por ajuda vem de todos os lados, tanto dos familiares quanto dos jogadores compulsivos que, conscientes de sua incapacidade de resolver o problema sozinhos, solicitam auxílio. Com a eventual liberação do jogo no Brasil, aumentará o número de apostadores e, por consequência, o índice de compulsivos, constituindo um sério caso de saúde pública, já que incumbirá ao Estado o tratamento dessa nova legião de ludodependentes. Portanto, neste momento em que se discute em Brasília a possível liberação do jogo, cumpre que todos estejam conscientes de seus efeitos nocivos, mobilizando-se para evitar o agravamento desta nova chaga social, a ludopatia, que ameaça a integridade das famílias e da sociedade, já que não respeita idade, credo, classe social ou nível intelectual.

*Por José Francisco Seabra Mendes Júnior - Promotor de Justiça Coordenador da “Força tarefa de combate aos jogos ilícitos” do Ministério Público do Rio Grande do Sul

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